Franz Boas
(Minden,
9 de julho
de 1858
— Nova Iorque,
21 de
dezembro de 1942)
foi um antropólogo
teuto-americano.
Nascido
numa família judaica liberal, seu pai, Meier Boas, era um comerciante de
sucesso, e sua mãe, professora de jardim da infância. Ambos os pais de Boas
eram influenciados pelo "espírito" da Revolução de 1848 mesmo anos após o seu
término. A influência dos princípios políticos de seus pais durante sua
infância e adolescência teriam reflexos na formação de suas ideias pioneiras
sobre raça
e etnicidade.
Sua
primeira inserção no campo científico não se deu a partir da Antropologia, mas
sim da Física, curso no qual Boas se qualificou como doutor pela a Universidade
de Kiel
em 1881. Através de sua dissertação de doutorado "Contribuições para o
Entendimento da Cor da Água" Boas buscou demonstrar como os domínios da
experiencia humana "através dos conceitos de quantidade … não eram
aplicáveis". Foi em uma viagem para Baffinland com a intenção
de escrever um livro sobre psicofísica, enquanto trabalhava com um grupo de
esquimós (inuit)
que Boas vivenciou a sua primeira experiência de campo. Tal experiência foi
determinante para sua mudança disciplinar e o início de suas reflexões
antropológicas.
Em
1887 Boas emigrou para os Estados
Unidos, mas somente depois de sua primeira publicação tornar-se-ia
referência como antropólogo. Em 1892, tornou-se professor de antropologia na Universidade Clark, em Worcester.
Em 1896,
foi indicado curador
assistente de Etnologia
e Somatologia do Museu Americano de História Natural.
No mesmo ano, foi nomeado leitor de Antropologia Física da Universidade Columbia, e promovido a
professor de Antropologia em 1899. Na época, os vários antropólogos que lecionavam em
Columbia distribuíam-se por diferentes departamentos. Quando deixou o Museu de
História Natural, Boas negociou com a universidade a reunião desses vários
professores em um único departamento, do qual ele próprio seria o responsável.
O programa de PhD
em antropologia da Universidade Columbia, criado por Boas, seria o primeiro da
América.
Diferente
dos evolucionistas que dominavam a Antropologia
em seu princípio, Boas argumentava que em contraste com o senso comum, raças
distintas da caucasiana, "raças como os índios do Peru e da América
Central haviam desenvolvido civilizações similares àquelas nas quais as
civilizações européias tinham sua origem". Embora seus escritos ainda
reflitam um certo racismo inerente ao seu tempo, Boas foi pioneiro nas idéias
de igualdade racial que resultaram nos estudos de Antropologia Cultural da atualidade. Como
orientador de antropólogos notáveis como Margaret Mead,
Melville Herkovits, Ruth Benedict,
Boas ficou conhecido posteriormente como pai da Antropologia contemporânea.
Influenciou profundamente o escritor brasileiro Gilberto Freyre, autor de obras
marcantes sobre a formação social brasileira.
De
todas as suas idéias, a formulação do conceito de etnocentrismo
e a necessidade de estudar cada cultura singularmente por seus próprios termos
exercem, ainda nos dias de hoje, uma enorme influência nos estudos
antropológicos. Em sua obra, Boas se contrapôs aos evolucionistas, que
compreendiam as culturas das sociedades não-caucasianas como inferiores. É
através de seus estudos que a idéia de uma escala evolutiva das sociedades partindo
de agrupamento de homens "selvagens" ou "naturais" e
chegando as "sociedades civilizadas" européias vai sendo gradualmente
abandonada pelos estudos antropológicos.
…Dois
índios particularmente responsáveis foram enviados pelo conselho dos anciões a
visitar um grupo que quase uma geração antes havia se separado para caçar em
uma região pouco conhecida e mantivera só contato esporádico com a tribo. À
volta, relataram sobre seu encontro com os representantes do grupo: tinham
constituído uma espécie de novo conselho dos anciões e deram as informações
desejadas sobre a região. Os dois emissários expuseram "verbatim"
(literalmente), o conteúdo das conversas imitou as expressões dos rostos dos
interlocutores, que para nós europeus parecem sempre impassíveis, mas das quais
os índios detectam as mínimas nuances, salientaram uma sombra de reticência,
num determinado momento e contribuíram na análise dos resultados da empresa,
realizada pelo conselho: lá devia haver mais facilidade de caça do que os
membros do grupo queriam admitir. (FRANZ BOAS, 1890, de uma carta a um amigo na
Alemanha, na qual comunicava que decidira dedicar-se exclusivamente à
antropologia.)
Contribuição teórica
Franz
Boas criticou com veemência os determinismos biológicos e geográficos, além da
crença no evolucionismo cultural. Boas apontava que cada cultura é uma unidade
integrada, fruto de um desenvolvimento histórico peculiar. Enfatizou a
independência dos fenômenos culturais com relação às condições geográficas
e aos determinantes biológicos, afirmando que a dinâmica da cultura
está na interação entre os indivíduos e sociedade. Dentre suas obras
principais, destacam-se: "The Mind of
Primitive Man", de 1911 (A Mente do Homem Primitivo),
"Primitive Art", de 1927 (Arte Primitiva), e "Race, Language and
Culture", 1940
(Raça, Linguagem e Cultura). Além das severas críticas que fez ao método
evolucionista, Boas também criticou o hiper-difusionismo e o funcionalismo,
ambos em evidência na época.
O
evolucionismo
buscava leis gerais que regessem toda a humanidade, concebendo uma evolução
igual para todas as sociedades. Os fenômenos semelhantes que ocorrem em épocas
e lugares diferentes provariam a existência de uma origem comum da humanidade.
Boas, pelo contrário, afirmava que esses fenômenos similares poderiam ter se
originado por caminhos diversos, e que o mesmo fenômeno tem sentidos variados
em cada cultura. Antes de se fazerem suposições, devia-se investigar a fundo as
causas dos fenômenos, utilizando-se da investigação histórica, tão defendida
por ele. O segundo método, o hiper-difusionismo, atribuia a criatividade a
alguns poucos grupos - como egípcios e gregos - que passariam o seu legado para
outras culturas. Boas critica ainda o funcionalismo que vê as culturas enquanto
meras adaptações do Homem às suas necessidades, naquilo de C. Geertz chamaria
de "visão estratigráfica". Isto é, enquanto os funcionalistas vêem a
cultura como algo limitado pelo biológico e pelo ambiente. Boas embora reconheça
esta limitação, sugere que a cultura pode, por vezes, ultrapassá-las.
Além
disso, Boas inaugura o conceito de culturas, no plural, através do
particularismo histórico - onde cada cultura tem sua própria história. Segundo
o pesquisador teuto-americano todas as culturas são dinâmicas, sofrem mudanças
ao longo do tempo. Logo, o objetivo da pesquisa antropológica, para Boas, está
em compreender os processos adjacentes aos fenômenos dessas culturas
particulares, e qual sentido os membros de uma cultura atribuem às suas
práticas. Ao invés de estabelecer leis gerais - como pensavam os evolucionistas
-, historiografias da origem - como insistiam os difusionistas - ou listas de
objetos com funções correlatas - como queriam os funcionalistas. É importante
ressaltar, no entanto, que os evolucionistas não eram necessariamente racistas,
mas etnocêntricos, visto que admitiam o "selvagem" como uma etapa
inicial rumo ao lugar elevado que a Europa assumia na linha evolutiva.
Citações
"Recebemos
uma lista de invenções, instituições e ideias, mas aprendemos pouco ou nada
sobre o modo pelo qual o indivíduo vive sob essas instituições, com essas
invenções e ideias, assim como não sabemos como suas atividades afetam os
grupos culturais dos quais ele participa. As informações sobre esses pontos são
extremamente necessárias, pois a dinâmica da vida social só pode ser compreendida
com base na reação do indivíduo à cultura na qual vive."
"Até
agora temos nos divertido com devaneios mais ou menos engenhosos. O trabalho
sólido ainda está todo a frente."
"Na
etnologia, tudo é individualidade".
Arte Primitiva, 1927:
"Qualquer
pessoa que tenha vivido com tribos primitivas, que tenha partilhado as suas
alegrias e tristezas, as suas privações e abundâncias, que veja nelas não
apenas objetos de estudo a serem examinados, como células a um microscópio, mas
seres humanos pensantes e com sentimentos, concordará que não existe uma ‘mente
primitiva’, um modo de pensar ‘mágico’ ou ‘pré-lógico’, mas cada indivíduo numa
sociedade ‘primitiva’ é um homem, uma mulher, uma criança da mesma espécie com
o mesmo modo de pensar, sentir e agir que qualquer homem, mulher ou criança da
nossa sociedade."
"A
nossa experiência tradicional ensinou-nos a considerar o curso dos
acontecimentos objetivos como o resultado de uma causalidade objetiva e
definida. Uma causalidade inexorável que governa este mundo, e o mundo
exterior, não pode ser influenciada por condições mentais. (...) Nosso ambiente
cultural inculcou-nos este ponto de vista de tal modo que aceitamos como
elementar a impossibilidade de os fenômenos materiais, exteriores ao domínio do
comportamento humano, poderem ser influenciados por processos mentais, subjetivos.
Porém, todo o desejo ardente implica possibilidade de realização (…) que
comprovam a fragilidade da nossa pretensão a uma visão racional do mundo."
"Certa
vez, numa visita à Colúmbia Britânica comprei a uma mulher já de idade um saco
executado num tear, decorado com uma série de losangos e pequenas figuras
bordadas em forma de cruz. Após ter perguntado, fiquei a saber que o saco fora
comprado a uma tribo vizinha e que a nova proprietária nada sabia do
significado original do padrão decorativo (…) À nova proprietária, pareceu-lhe
que os losangos se assemelhavam a lagos ligados entre si por um rio. As
diferentes cores do losango pareceram-lhe sugestivas das cores dos lagos: um
bordo verde, a vegetação da margem; uma área amarelada no interior, as águas
pouco profundas; e, um centro azul, as águas profundas. A interpretação não lhe
pareceu suficientemente clara e então completou-a bordando pássaros voando em
direção aos lagos. Deste modo, deu um maior realismo à sua concepção e tornou-a
mais inteligível para os seus companheiros."
"Como
em todas as outras questões étnicas, devemos evitar tratar as tribos como
unidades padronizadas. As variações individuais, tanto em termos de aparência
física como de vida mental, são tão importantes na sociedade primitiva como na
nossa sociedade."
"A
grande variedade de interpretações para a mesma figura, por um lado, e, por
outro, o número de formas através das quais uma mesma ideia ganha expressão,
demonstram que (…) existe uma certa associação entre o modelo artístico geral e
um determinado número de ideias que são selecionadas de acordo com o uso da
tribo e, também, de acordo com o interesse do indivíduo que, no momento,
fornece a explicação".
Fonte: Franz_Boas