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segunda-feira, 17 de março de 2014

14 - Antropólogo: Franz Boas




Nascido numa família judaica liberal, seu pai, Meier Boas, era um comerciante de sucesso, e sua mãe, professora de jardim da infância. Ambos os pais de Boas eram influenciados pelo "espírito" da Revolução de 1848 mesmo anos após o seu término. A influência dos princípios políticos de seus pais durante sua infância e adolescência teriam reflexos na formação de suas ideias pioneiras sobre raça e etnicidade.

Sua primeira inserção no campo científico não se deu a partir da Antropologia, mas sim da Física, curso no qual Boas se qualificou como doutor pela a Universidade de Kiel em 1881. Através de sua dissertação de doutorado "Contribuições para o Entendimento da Cor da Água" Boas buscou demonstrar como os domínios da experiencia humana "através dos conceitos de quantidade … não eram aplicáveis". Foi em uma viagem para Baffinland com a intenção de escrever um livro sobre psicofísica, enquanto trabalhava com um grupo de esquimós (inuit) que Boas vivenciou a sua primeira experiência de campo. Tal experiência foi determinante para sua mudança disciplinar e o início de suas reflexões antropológicas.

Em 1887 Boas emigrou para os Estados Unidos, mas somente depois de sua primeira publicação tornar-se-ia referência como antropólogo. Em 1892, tornou-se professor de antropologia na Universidade Clark, em Worcester. Em 1896, foi indicado curador assistente de Etnologia e Somatologia do Museu Americano de História Natural. No mesmo ano, foi nomeado leitor de Antropologia Física da Universidade Columbia, e promovido a professor de Antropologia em 1899. Na época, os vários antropólogos que lecionavam em Columbia distribuíam-se por diferentes departamentos. Quando deixou o Museu de História Natural, Boas negociou com a universidade a reunião desses vários professores em um único departamento, do qual ele próprio seria o responsável. O programa de PhD em antropologia da Universidade Columbia, criado por Boas, seria o primeiro da América.

Diferente dos evolucionistas que dominavam a Antropologia em seu princípio, Boas argumentava que em contraste com o senso comum, raças distintas da caucasiana, "raças como os índios do Peru e da América Central haviam desenvolvido civilizações similares àquelas nas quais as civilizações européias tinham sua origem". Embora seus escritos ainda reflitam um certo racismo inerente ao seu tempo, Boas foi pioneiro nas idéias de igualdade racial que resultaram nos estudos de Antropologia Cultural da atualidade. Como orientador de antropólogos notáveis como Margaret Mead, Melville Herkovits, Ruth Benedict, Boas ficou conhecido posteriormente como pai da Antropologia contemporânea. Influenciou profundamente o escritor brasileiro Gilberto Freyre, autor de obras marcantes sobre a formação social brasileira.

De todas as suas idéias, a formulação do conceito de etnocentrismo e a necessidade de estudar cada cultura singularmente por seus próprios termos exercem, ainda nos dias de hoje, uma enorme influência nos estudos antropológicos. Em sua obra, Boas se contrapôs aos evolucionistas, que compreendiam as culturas das sociedades não-caucasianas como inferiores. É através de seus estudos que a idéia de uma escala evolutiva das sociedades partindo de agrupamento de homens "selvagens" ou "naturais" e chegando as "sociedades civilizadas" européias vai sendo gradualmente abandonada pelos estudos antropológicos.

…Dois índios particularmente responsáveis foram enviados pelo conselho dos anciões a visitar um grupo que quase uma geração antes havia se separado para caçar em uma região pouco conhecida e mantivera só contato esporádico com a tribo. À volta, relataram sobre seu encontro com os representantes do grupo: tinham constituído uma espécie de novo conselho dos anciões e deram as informações desejadas sobre a região. Os dois emissários expuseram "verbatim" (literalmente), o conteúdo das conversas imitou as expressões dos rostos dos interlocutores, que para nós europeus parecem sempre impassíveis, mas das quais os índios detectam as mínimas nuances, salientaram uma sombra de reticência, num determinado momento e contribuíram na análise dos resultados da empresa, realizada pelo conselho: lá devia haver mais facilidade de caça do que os membros do grupo queriam admitir. (FRANZ BOAS, 1890, de uma carta a um amigo na Alemanha, na qual comunicava que decidira dedicar-se exclusivamente à antropologia.)

Contribuição teórica

Franz Boas criticou com veemência os determinismos biológicos e geográficos, além da crença no evolucionismo cultural. Boas apontava que cada cultura é uma unidade integrada, fruto de um desenvolvimento histórico peculiar. Enfatizou a independência dos fenômenos culturais com relação às condições geográficas e aos determinantes biológicos, afirmando que a dinâmica da cultura está na interação entre os indivíduos e sociedade. Dentre suas obras principais, destacam-se: "The Mind of Primitive Man", de 1911 (A Mente do Homem Primitivo), "Primitive Art", de 1927 (Arte Primitiva), e "Race, Language and Culture", 1940 (Raça, Linguagem e Cultura). Além das severas críticas que fez ao método evolucionista, Boas também criticou o hiper-difusionismo e o funcionalismo, ambos em evidência na época.

O evolucionismo buscava leis gerais que regessem toda a humanidade, concebendo uma evolução igual para todas as sociedades. Os fenômenos semelhantes que ocorrem em épocas e lugares diferentes provariam a existência de uma origem comum da humanidade. Boas, pelo contrário, afirmava que esses fenômenos similares poderiam ter se originado por caminhos diversos, e que o mesmo fenômeno tem sentidos variados em cada cultura. Antes de se fazerem suposições, devia-se investigar a fundo as causas dos fenômenos, utilizando-se da investigação histórica, tão defendida por ele. O segundo método, o hiper-difusionismo, atribuia a criatividade a alguns poucos grupos - como egípcios e gregos - que passariam o seu legado para outras culturas. Boas critica ainda o funcionalismo que vê as culturas enquanto meras adaptações do Homem às suas necessidades, naquilo de C. Geertz chamaria de "visão estratigráfica". Isto é, enquanto os funcionalistas vêem a cultura como algo limitado pelo biológico e pelo ambiente. Boas embora reconheça esta limitação, sugere que a cultura pode, por vezes, ultrapassá-las.

Além disso, Boas inaugura o conceito de culturas, no plural, através do particularismo histórico - onde cada cultura tem sua própria história. Segundo o pesquisador teuto-americano todas as culturas são dinâmicas, sofrem mudanças ao longo do tempo. Logo, o objetivo da pesquisa antropológica, para Boas, está em compreender os processos adjacentes aos fenômenos dessas culturas particulares, e qual sentido os membros de uma cultura atribuem às suas práticas. Ao invés de estabelecer leis gerais - como pensavam os evolucionistas -, historiografias da origem - como insistiam os difusionistas - ou listas de objetos com funções correlatas - como queriam os funcionalistas. É importante ressaltar, no entanto, que os evolucionistas não eram necessariamente racistas, mas etnocêntricos, visto que admitiam o "selvagem" como uma etapa inicial rumo ao lugar elevado que a Europa assumia na linha evolutiva.

Citações

"Recebemos uma lista de invenções, instituições e ideias, mas aprendemos pouco ou nada sobre o modo pelo qual o indivíduo vive sob essas instituições, com essas invenções e ideias, assim como não sabemos como suas atividades afetam os grupos culturais dos quais ele participa. As informações sobre esses pontos são extremamente necessárias, pois a dinâmica da vida social só pode ser compreendida com base na reação do indivíduo à cultura na qual vive."

"Até agora temos nos divertido com devaneios mais ou menos engenhosos. O trabalho sólido ainda está todo a frente."

"Na etnologia, tudo é individualidade".

Arte Primitiva, 1927:

"Qualquer pessoa que tenha vivido com tribos primitivas, que tenha partilhado as suas alegrias e tristezas, as suas privações e abundâncias, que veja nelas não apenas objetos de estudo a serem examinados, como células a um microscópio, mas seres humanos pensantes e com sentimentos, concordará que não existe uma ‘mente primitiva’, um modo de pensar ‘mágico’ ou ‘pré-lógico’, mas cada indivíduo numa sociedade ‘primitiva’ é um homem, uma mulher, uma criança da mesma espécie com o mesmo modo de pensar, sentir e agir que qualquer homem, mulher ou criança da nossa sociedade."

"A nossa experiência tradicional ensinou-nos a considerar o curso dos acontecimentos objetivos como o resultado de uma causalidade objetiva e definida. Uma causalidade inexorável que governa este mundo, e o mundo exterior, não pode ser influenciada por condições mentais. (...) Nosso ambiente cultural inculcou-nos este ponto de vista de tal modo que aceitamos como elementar a impossibilidade de os fenômenos materiais, exteriores ao domínio do comportamento humano, poderem ser influenciados por processos mentais, subjetivos. Porém, todo o desejo ardente implica possibilidade de realização (…) que comprovam a fragilidade da nossa pretensão a uma visão racional do mundo."

"Certa vez, numa visita à Colúmbia Britânica comprei a uma mulher já de idade um saco executado num tear, decorado com uma série de losangos e pequenas figuras bordadas em forma de cruz. Após ter perguntado, fiquei a saber que o saco fora comprado a uma tribo vizinha e que a nova proprietária nada sabia do significado original do padrão decorativo (…) À nova proprietária, pareceu-lhe que os losangos se assemelhavam a lagos ligados entre si por um rio. As diferentes cores do losango pareceram-lhe sugestivas das cores dos lagos: um bordo verde, a vegetação da margem; uma área amarelada no interior, as águas pouco profundas; e, um centro azul, as águas profundas. A interpretação não lhe pareceu suficientemente clara e então completou-a bordando pássaros voando em direção aos lagos. Deste modo, deu um maior realismo à sua concepção e tornou-a mais inteligível para os seus companheiros."

"Como em todas as outras questões étnicas, devemos evitar tratar as tribos como unidades padronizadas. As variações individuais, tanto em termos de aparência física como de vida mental, são tão importantes na sociedade primitiva como na nossa sociedade."

"A grande variedade de interpretações para a mesma figura, por um lado, e, por outro, o número de formas através das quais uma mesma ideia ganha expressão, demonstram que (…) existe uma certa associação entre o modelo artístico geral e um determinado número de ideias que são selecionadas de acordo com o uso da tribo e, também, de acordo com o interesse do indivíduo que, no momento, fornece a explicação".
Fonte: Franz_Boas
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