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quarta-feira, 8 de junho de 2016

56 - Maquiavel (1469-1527), A boa-fé e a astúcia na condução do governo


Todos sabem que é louvável que o príncipe mantenha a palavra empenhada, e viva com integridade e não com astúcia. Contudo a experiência dos nossos tempos mostra que os príncipes que tiveram pouco respeito pela boa-fé puderam com astúcia confundir os espíritos e chegaram a superar os que baseavam sua conduta na lealdade. Como sabemos, pode-se lutar de duas maneiras: pela lei e pela força. O primeiro método é o dos homens; o segundo, o dos animais. Porém, como o primeiro pode ser insuficiente, tem-se que recorrer ao segundo. É necessário, portanto, que o príncipe saiba usar bem tanto o processo dos homens como o dos animais. É o que ensinaram, alegoricamente, os antigos escritores, que contam como Aquiles e muitos outros príncipes de outrora foram entregues ao centauro Quironte, para que este os educasse sob sua disciplina. A parábola desse professor semi-humano, semianimal, adverte que um príncipe deve saber usar as duas naturezas, e que qualquer uma delas sem a outra não é duradoura. Sendo obrigado a saber agir como um animal, deve o príncipe imitar a raposa e o leão, pois o leão não se pode defender das armadilhas, e a raposa não consegue defender-se dos lobos. É preciso, portanto, ser raposa para reconhecer as armadilhas, e leão para assustar os lobos. Aqueles que desejam ser apenas como o leão não compreendem que um governante prudente não deverá agir com boa-fé quando, para fazê-lo, precise trabalhar contra seus interesses, e quando os motivos que o levaram a contrair uma obrigação deixarem de existir.

MAQUIAVEL. O Príncipe. Trad. de Lívio Xavier. São Paulo: Abril Cultural, 1983, pp. 73-43. (Coleção “Os Pensadores”). 

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