Feuerbach (1804-1872), iniciador do chamado “naturalismo
humanista” ou “humanismo naturalista” no pensamento moderno, que preparou o
caminho ao materialismo dialético de Marx, Feuerbach fez parte da “esquerda
hegeliana”, da qual o marxismo tomará os seus postulados básicos. Também pode
reivindicar uma nova atualidade no pensa mento contemporâneo, principalmente com
relação ao existencialismo de esquerda de Sartre e de Camus.
Eis seus dois postulados
fundamentais:
1) “O ser enquanto ser é
finito”, porque sempre está nos limites do tempo e do espaço concretos, e “onde
não há limites, nem tempo, nem necessidades, também não há qualidades, energia,
spiritus, fogo, nem amor algum”.
2) A negação de Deus é o
fundamento para a afirmação do homem: “Eu nego a Deus”, escreve Feuerbach, isto
significa para mim: “Eu nego a negação do homem”.
Entre a imensa obra filosófica deste filósofo de vida
discreta, que viveu seus últimos anos na miséria, destacamos suas duas obras
principais: A essência do cristianismo (1841), seguida, em 1845, de A
essência da religião. Todas as demais obras de caráter filosófico-religioso
não são mais do que a ampliação das anteriormente mencionadas. Nessas duas
obras expressa a crítica que se deve fazer da religião em geral e do
cristianismo em particular, como religião positiva e revelada.
Segundo Feuerbach, no lugar de “Deus” deve-se pôr e escrever “humano”,
de forma que a essência divina que se revela na natureza não seja mais do que a
sua própria natureza. A natureza, pois, “não é somente o objeto primeiro e
originário, senão também o fundo permanente e o fundamental desenvolvimento da
religião”. A natureza sensível e concreta é a base do real.
Segundo a crítica de Feuerbach, deve-se fazer descer a
religião da teologia à natureza e à antropologia. “O ser absoluto, o
Deus do homem, é o ser próprio do homem”. Em consequência, “não foi Deus quem
criou o homem, mas foi o homem que criou Deus com a sua própria imaginação, ao
unir a especulação à base de abstrações, em oposição aos sentidos”. “Deus é o
princípio imaginado ou fantástico da realização total de todas as vontades e
desejos humanos.” Daqui o princípio: “Como é o teu coração, assim é o teu Deus”.
Tais como são os desejos dos homens, assim são as suas divindades. Acreditar em
Deus é “Criar Deus”. A divinização dos homens é o objetivo último da religião.
A crítica ao cristianismo aprofunda a instância antropológica
individualista: o cristianismo genuíno é a antítese do paganismo, porque no
cristianismo autêntico o indivíduo é somente uma parte do gênero e este se
encontra somente na humanidade imediata. A expressão mais clara do gênero e do
indivíduo no cristianismo é Cristo: o Deus verdadeiro dos cristãos. Cristo é o
modelo, o conceito existente da humanidade, o compêndio de todas as perfeições
morais e divinas... “O mistério da Encarnação é o mistério do amor de Deus pelo
homem, o mistério do amor de Deus, mas na realidade é o mistério do amor do
homem a si próprio...” Esse dogma fundamental do cristianismo expressa, pois, o
princípio supremo e último da filosofia, ou seja, a unidade do homem com o
homem. Em consequência, e essa é a finalidade de toda a obra de Feuerbach, “o
homem é o Deus do cristianismo, e a antropologia é o segredo da teologia cristã”.
Feuerbach considera essa humanização de Deus como a missão da
Idade Moderna. A gênese de Deus a partir da projeção que o homem faz de si
próprio e da sua essência produz neste a alienação, que expropria o
homem de sua própria natureza ou substância de ser sensível e a coloca fora
dele: em Deus. Ao mesmo tempo produz a servidão: submetimento e
veneração a algo estranho erguido contra a realidade sensível e o homem. A
verdade é que o homem é um “ser sensitivo” e seu ser abre-se e fecha-se em
relação à natureza e à comunidade dos outros homens mediante o amor. Tal é a
luta que deve empreender o homem moderno.
Sua importância histórica está ligada à influência decisiva e
amplamente reconhecida que a sua obra exerceu na formação do materialismo
dialético de Marx. De fato, o jovem Marx reconheceu que Feuerbach “fundou o
verdadeiro materialismo e a ciência real, elaborando sua teoria”. Por
isso, a obra de Feuerbach toma parte da “biblioteca dos clássicos” do marxismo.
A crítica ao cristianismo, tanto de protestantes quanto de
católicos, não se fez esperar. Feuerbach reduzia a religião à filosofia e a
teologia à antropologia. “O segredo da teologia está na antropologia” repete
com frequência. Sua teoria da religião é puro sensualismo e materialismo, que
não acrescenta nada às posições do ateísmo grego ou do Iluminismo francês do
séc. XVIII. Todos reconhecem, no entanto, que faz uma análise brilhante do
homem, que no plano tático “pode ser útil para a denúncia das falsificações do
homem moderno”. A qualificação que mais se adapta ao seu pensamento é a de realismo
humanista. E é inexato caracterizar o pensamento de Feuerbach unicamente
como ateísmo.
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